Adele e Rafael: amor acima do crack

A história de Adele serve como reflexão neste mês de maio, dedicado às mães. Nascida em Salvador, onde estudou até a sexta série, criada pela avó, ela veio ao Rio para viver com o pai, que morava de aluguel no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, Centro. Com 15 anos o pai morreu e ela não tinha ninguém. Foi para a rua. Há seis anos, por pura curiosidade, experimentou seu primeiro cigarro de crack.

Hoje, aos 31 anos, quatro filhos vivos e um morto – todos nascidos em hospital -, ela vive na cracolândia do Jacarezinho. “O mais importante é o amor do meu filho. Dele eu tiro as forças para viver”, diz, lágrimas escorrendo. Para evitar dramas como o de Adele Santana, que vive ao relento e se tornou usuária abusiva do crack há seis anos, o Viva Rio participa das discussões para a criação de uma entidade de atendimento a mães como ela, envolvidas com drogas em geral. O processo, em andamento, ainda sem data prevista, reúne equipes do, Estado, Município e Governo Federal.

Adele e Rafael

Rafael visita a mãe na cracolândia do Jacaré, ou recebe sua visita nas Casas Vivas de Bonsucesso

Pelo menos um bom motivo Adele tem para comemorar a data dedicada às mães. E quando ela se refere ao filho, Rafael, 16 anos, embora ainda tenha outros três, é o único com quem convive.  Os outros dois estão com a avó paterna e a terceira mora em casa de família. O jovem faz qualquer coisa pela mãe. “Aos trancos e barrancos Rafael vem aqui e me busca, às vezes eu vou lá”, conta.

Ela oscila momentos de fortaleza com a fragilidade que tomou conta de sua vida, abandonada pelos pais das crianças. Não se faz de vítima, porém. “O maior sonho é parar com o crack, ver os outros fumando e não ter vontade. Acabar com esse vício e viver como uma pessoa normal, trabalhar, sem drogas.”  Apesar da sinceridade da intenção, ela mesma sabe que tão cedo está longe de realizá-la. De uma certa forma, se desculpa: “Não sou ruim. Não mato, não roubo ninguém e nunca me prostituí para usar droga”.

Apesar dos dentes carcomidos pela falta de trato, Adele diz que não sofre problemas de saúde, embora tenha trocado o barraco pela situação de rua. Sabe, no entanto, que se continuar nesse ritmo as doenças vão chegar. Mostra vestígios de vaidade, relógio adornado por contas azuis, fita no pulso com a palavra Amor, aliança no dedo anelar direito, unhas bem aparadas e arco no cabelo. Embora viva tão mal já esteve um pouco pior, quando foi presa, no início do ano, por tráfico de drogas. Só ficou um mês atrás das grades, “a boca de fumo mandou um advogado”, desconversa.

Ela lembra que quando pegava a quentinha da cadeia perdia o apetite pensando se o filho estava conseguindo se alimentar. Hoje, em liberdade, Adele se consola por saber que Rafael  está inserido no Projeto Casa Viva, co-gestão da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Viva Rio, em Bonsucesso.  Melhor que viver com ela na cracolância.

Recorda com saudade dos seis meses em que conseguiu manter um aluguel social e trabalhou com o que mais gosta: cozinhar. Eram vários tipos de sopa, “quem mais comprava eram os cracudos”, acrescenta, esboçando um sorriso.

É com uma ponta de orgulho que diz não ter para onde ir e preferir ficar dura, sem nenhum dinheiro, “mas tranquila”, referindo-se à intenção de não voltar a colaborar com o tráfico. “Estou esperando aparecer um príncipe no meu caminho. É lógico que quero largar o crack, mas por enquanto não tenho outra opção”, lamenta.

Adele

Adele ainda sonha que um príncipe encantado possa tirá-la do vício do crack

Embora afirme que não quer parar em um abrigo, quando os pés ficam mais próximos ao chão ela confessa seu desejo de encontrar um lugar de acolhimento, semelhante ao que o filho está. “Trabalho e moradia não caem do céu”, sabe, melhor do que ninguém.

(Texto: Celina Côrtes|Fotos: Paulo Barros)

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